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Perdidos e achados

Por el Cardenal Odilo Scherer / Arzobispo de Sao Paulo

O Evangelho nos surpreende sempre, basta acolhê-lo com atenção e abertura de coração. No capítulo 15 do Evangelho de São Lucas, encontramos as três parábolas, conhecidas geralmente como “parábolas da misericórdia”: da ovelha perdida, da moeda perdida e do filho perdido. Jesus é um bom contador de histórias, mas não se trata de historinhas para encantar e divertir. Por meio das parábolas, partindo do que acontece na vida real, Ele pas-sa ensinamentos profundos de um jeito que todos podem compreender. E quem escuta ou lê a parábola, acaba sendo envolvido e situado  dentro dela.

Para começar, é preciso olhar bem o contexto no qual Jesus conta as três parábolas. Ele está rodeado de publicanos e pecadores, que o escutam e até tomam refeição com Ele. Um pouco mais adiante, fariseus e mestres da Lei observam e criticam Jesus: “Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles!” (cf. Lc 15,1-2). Publicanos e pecadores eram tidos como “gente perdida” e como “impuros”. Jesus está em companhia dos “perdidos”. Escribas e fariseus eram tidos como “gente do bem”, que não se misturava “com essa gente”… As pessoas de bem criticavam Jesus, que, então, conta as três parábolas.

São três histórias que envolvem a perda de algo, ou de alguém muito valioso para quem perdeu: a ovelha, a moeda e o filho. Nas três situações, há o sentimento da perda e a preocupação em procurar o que foi perdido: o pastor procura a ovelhinha; a mulher varre a casa cuidadosamente para ver se acha a moeda; o pai está preocupado com

O filho perdido, esperando ansiosamente que volte. Nas três situações, o “perdido” é encontrado e torna-se motivo de grande alegria e de festa contagiante. Nas parábolas da ovelha e da moeda, Jesus conclui que no céu, da mesma forma, haverá grande alegria por um só pecador que faz penitência e se converte.

Mas o caso do filho perdido não termina bem assim. Certo, o pai fica muito feliz porque recuperou com vida o filho perdido, que já tinha contado como morto. E convoca uma festa boa, restituindo a dignidade perdida ao filho mais novo.

Mas há o irmão mais velho, que é “do bem” e fica revoltado com o pai, por causa do retorno do irmão e da festa oferecida pelo pai. O filho mais velho fazia tudo certinho e também estava bem consciente dos seus direitos em relação ao pai. Mas tinha um coração duro e sem misericórdia. E não se deixou convencer nem mesmo pelo pai, que lhe suplicava para que também participasse da festa pelo retorno do irmão.

O filho mais velho não aceitou o  convite e os apelos do pai e ficou fora da festa. Pior ainda, deixou fora também o pai, que tentava conquis-tá-lo para que entrasse. Mais que ninguém, era o filho mais velho que agora também estava necessitado da misericórdia do pai. O pai insiste, mas ele não aceita. E aqui estamos de novo no início das três parábolas: fariseus e doutores da Lei se acha-vam fora da companhia de Jesus e o criticavam porque Ele estava rodeado de publicanos e pecadores. Jesus é a mão misericordiosa do Pai estendida a todos, pronta para acolher no abraço do perdão a todos os pecadores. Escribas e fariseus não percebiam que eles próprios, mais que ninguém, também precisavam conhecer o amor, o perdão e a misericórdia de Deus, que reconcilia e salva os pecadores arrependidos.

Um dos maiores pecados é a soberba, que leva a se achar dispensado ou não necessitado da misericórdia de Deus. É interessante reparar na palavra do pai ao Filho mais velho, que se queixa ao pai e cobra dele pe-los seus méritos, supostamente não reconhecidos: “Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu também” (Lc 15,31). Cobrar o pai pelos direitos foi algo muito mesquinho da parte do filho mais velho. O pai conhece muito bem os méritos do filho, e este devia saber que o pai é bem generoso para recompensar o filho fiel bem mais que ele merece. Se esperamos de Deus somente aquilo que merecemos, nossa recompensa será muito pequena! Deus é rico em misericórdia para com seus filhos fiéis. Mas Ele se preocupa também com os filhos “perdidos” e os quer salvar; os filhos “do bem” não devem ter ciúmes por isso, nem achar que o pai é injusto com eles.

É bom saber que não somos indiferentes aos olhos de Deus, que se preocupa com a nossa salvação e deseja que ninguém se perca para sempre. Mas é arriscado achar que não precisamos da misericórdia de Deus e que resolvemos a nossa salvação por nossa própria conta; poderíamos ficar de fora da grande festa da vida eterna!

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